terça-feira, 9 de novembro de 2010

Importantes Mudanças sobre Normas Contábeis Societárias - Lei 6.404/76

Artigo - Federal - 2010/1948

A lei societária - Lei nº 6.404, de 1976 - a partir de 2008 sofreu profundas alterações, inicialmente pela Lei nº 11.638, de 2007 (1) e pela Medida Provisória nº 449/08, convertida na Lei nº 11.941, de 2009, quando foram introduzidos novos conceitos, métodos e critérios contábeis e fiscais, com o fim de harmonizar as regras contábeis adotadas no Brasil aos padrões internacionais de contabilidade (padrão International Financial Report Standart - IFRS), recepcionando assim a transparência internacional de regras e informações contábeis a serem observadas por todas as companhias abertas e pelas empresas de grande porte (2), quando da elaboração de suas demonstrações financeiras.

A começar pela relação de demonstrações financeiras, foi extinta a demonstração das origens e aplicações de recursos e criadas a demonstração dos fluxos de caixa e a demonstração do valor adicionado (3). A classificação contábil dos grupos e subgrupos de contas do balanço patrimonial das sociedades também foi significativamente alterada. O Ativo e o Passivo foram divididos em dois grandes grupos de contas: Circulante e Não Circulante. Foram extintos os seguintes grupos, subgrupos e contas: Ativo Permanente, Ativo Diferido, Passivo Realizável a Longo Prazo, Resultado de Exercício Futuro, Reserva de Reavaliação, Lucros e Prejuízos Acumulados. Foram criados os subgrupos e contas: "Intangível" no Ativo e "Prejuízos Acumulados" e "Ajustes de Avaliação Patrimonial" no Patrimônio Líquido (4). Na Demonstração de Resultado foi suprimido o grupo Resultados Não Operacionais, adotando-se a nomenclatura de "Outras Receitas" e "Outras Despesas". As contas representativas de Prêmios na Emissão de Debêntures e Doações Subvenções para Investimentos, antes de comporem as Reservas de Lucros, agora devem transitar pelo resultado do exercício (5).

Uma alteração bastante interessante diz respeito ao registro de bens no Ativo Imobilizado. Pelo dispositivo alterado (6), serão também classificados no ativo imobilizado os direitos que tenham por objeto bens corpóreos decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens, como é o caso, por exemplo, do leasing financeiro, o qual não pode mais ser registrado como despesa, devendo assim ser ativado.

Outra importante mudança feita pela Lei 11.941/09 foi a que trata dos critérios de avaliação do Ativo e do Passivo, concebendo-se assim os conceitos de valor justo (fair value) - que enfatiza a questão da primazia da essência sobre a forma -, de valor recuperável de ativos (impairment) e de valor presente (7).

Com a inclusão do artigo 184-A na Lei das SA pela Lei 11.941/09, foram dados poderes para a CVM estabelecer normas especiais de avaliação e contabilização aplicáveis à aquisição de controle, participações societárias ou negócios, ou seja, a CVM pode criar novos "Critérios de Avaliação em Operações Societárias" (8).

O artigo 243 da Lei das SA também foi alterado para positivar um antigo conceito de sociedade coligada que há muito já se encontrava consolidado pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, pelo qual "são coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa", ou seja, agora, para uma sociedade se considerada como coligada basta saber se o investimento da investidora tem ou não influência significativa na investida (9).

E essa influência significativa pode ser caracterizada: a) pelo fato de a investidora ter o poder de decisão financeira ou operacional, sem controlar de forma individual ou conjunta essas políticas; ou b) pelo fato de a investidora ser titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida. A novidade é que a figura da influência significativa dos investimentos agora se revela também pela via da presunção legal (20% ou mais do capital votante da investida). Já o conceito de sociedade controlada não foi alterado (10).

Para ficar em sintonia com esse novo conceito de sociedade coligada, também foi alterado o artigo 248 da Lei º 6.404, de 1976 (11), que trouxe um novo rol de sociedades sujeitas ao Método de Equivalência Patrimonial (MEP). Na redação atual do citado artigo não existe mais a expressão "investimentos relevantes", embora, para efeito de informações nos balanços das coligadas e controladas (notas explicativas), o conceito de relevância dos investimentos em sociedades coligadas e controladas não tenha sido alterado (12).

O citado dispositivo (artigo 248) recepcionou ainda a expressão "outras sociedades que façam parte de um mesmo grupo ou estejam sob controle comum" contida em antigas normas expedidas pela CVM sobre operações com partes relacionadas, aumentando assim, significativamente, o espectro das sociedades sujeitas à avaliação de investimentos pelo Método de Equivalência Patrimonial (MEP), eis que passou a incluir outras sociedades, independentemente do percentual de participação, bastando que essas sociedades façam parte do mesmo grupo econômico, por exemplo, as joint venture e as empresas sujeitas a consolidação de balanço pelas sociedades holding (13).

Dessa forma, o novo rol de sociedades sujeitas ao método de equivalência patrimonial passou a ser: a) sociedades controladas (nada mudou); b) sociedades coligadas (todas as sociedades que a investidora tenha influência significativa); e c) outras sociedades que façam parte de um mesmo grupo ou estejam sob controle comum.

Por conta das alterações nos artigos 243 e 248 da Lei 6.404/76, entendemos que, sob o aspecto fiscal, os artigos 384 a 391 (14) do Regulamento do Imposto de Renda -RIR/99 ficaram totalmente descontextualizados de suas matrizes legais, inclusive no que diz respeito ao tratamento contábil e fiscal do ágio na aquisição de investimentos, pelo que, os mesmos devem ser interpretados com as devidas cautelas, observando-se no que couberem os Pronunciamentos Técnicos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, especialmente os CPC 05, 10, 12, 15 e 18.

A Lei nº 11.941, de 2009, nos seus artigos 15 a 24, também instituiu o discutível Regime Tributário de Transição - RTT (15) com o fim de neutralizar ou mitigar os efeitos tributários das novas regras contábeis introduzidas pela Lei nº 11.638 e pelos artigos 37 e 38 da Lei nº 11.941, ou ainda, pelas normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, que, de alguma forma, modificaram o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na escrituração contábil, para apuração do lucro líquido do exercício. O que o referido RTT pretende é que as empresas que observarem as novas regras contábeis tenham total neutralidade tributária para fins de apuração do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.

Em análise contida, as novas regras do RTT têm o mesmo papel e objetivo que o antigo Decreto-Lei nº 1.598/77 tinha em relação à Lei nº 6.404/76, quando foram criados os ajustes ao lucro contábil no Livro de Apuração do Lucro Real - LALUR (16), sendo que, desta feita, foi instituído o Controle Fiscal Contábil de Transição (FCONT). O FCONT é uma escrituração obrigatória das contas patrimoniais e de resultado, em partidas dobradas, que considera os métodos e critérios contábeis aplicados pela legislação tributária, vigentes em 31 de dezembro de 2007, a qual não substitui o LALUR nem qualquer outro controle ou memória de cálculo. O assunto encontra-se disciplinado pelas Instruções Normativas da Receita Federal do Brasil - RFB nº 949/09 e 967/09.

Dada à enorme complexidade dos procedimentos contábeis e fiscais que devem ser observados pelas sociedades e grandes empresas, entendemos que a adoção do RTT deve ser cercada de muito cuidado e de especial atenção, para que essa almejada neutralidade tributária não se transforme em enorme pesadelo fiscal (17). Aliás, já há importantes vozes ressonando que "o RTT não seria completamente neutro do ponto de vista fiscal" (18).

Cabe mencionar ainda que as Leis nº 11.638, de 2007 e 11.941, de 2009 trouxeram importante alteração no sentido de dar sustentação legal às normas contábeis expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM e demais órgãos reguladores (19). Isso obrigou os órgãos responsáveis pelas normas contábeis a falarem a mesma língua, ou seja, atualmente, a CVM, o Banco Central, agências reguladoras (ANATEL, ANEL, ANS, SUSEP, etc.), devem observar as regras internacionais de contabilidade introduzidas pelas referidas leis e referendadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (20).

Essas mudanças serviram também para valorizar e prestigiar o trabalho dos contadores e auditores (internos ou independentes), os quais, até então, não vinham tendo a devida importância nas políticas de transparência das informações contábeis e financeiras das sociedades e das grandes empresas. Agora, espera-se, ao menos, um resultado mais prático dessas mudanças: que os departamentos jurídicos e de contabilidade das sociedades possam trabalhar com mais sintonia e harmonia, quando da elaboração de suas demonstrações financeiras.

São esses os nossos singelos e breves comentários sobre algumas das importantes mudanças na lei societária (Lei das SA) que desejamos compartilhar com os nossos atentos leitores e que poderão ser aprofundados em breve em outro estudo.

Murilo Rodrigues
Advogado tributarista, graduado pela PUC-Campinas-SP, com Curso de Especialização em Gestão Tributária e Contabilidade (com ênfase em Planejamento Tributário) pela Academia Paulista de Estudos Tributários - APET, Curso de Extensão em Avaliação e Perícia Judicial, pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP. Auditor aposentado da Secretaria da Receita Federal do Brasil, com mais 25 anos de experiência na área de auditoria e tributação.

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